'beija-flor móbile'
¨teatro de objectos¨
Houve um dia em que a fauna e flora de todas as partes conviviam harmonicamente no planeta. Era pássaro do Brasil que vivia em Portugal, oliveira portuguesa que dava azeite na China, tulipas e ursos pandas chineses que moravam na África do Sul... Os animais e as plantas atravessavam oceanos inteiros, percorriam distancias incríveis, houve até quem viu goiabeira dar goiaba na Finlândia! As florestas, parques e jardins eram casa de todo tipo de bicho e fruto. Todo espaço era de todos e toda a Terra era bem-vinda!
Do grande e colorido planeta Terra, focamos para um pequeno pedaço de verde: E... nesse terreno bonito e fértil existia um ecossistema único. Um jardim, onde as árvores se amparavam umas às outras com suas folhagens e esse tecido adornava um imenso abraço. As flores coloriam o território de cima a baixo e pigmentavam tudo antes da frutificação.
No centro havia uma imponente estátua, figura branca em mármore-busto-esculpida que representava alguém muito importante, senhor do jardim e de movimentos artísticos que marcaram época. Em sua base as trepadeiras sustentavam o monumento e suas raízes uniam-se com pedra. Na cabeça a estátua mirava uma figueira que era a vivenda de uma construção belíssima!
Um ninho de Beija-flor flautista, passarinho aventureiro de longo bico que usava das suas velozes asas para percorrer mundo afora.
Tudo aquilo acordava e dormia numa sinfonia musical. E o conjunto de cores e imagens fazia daquele sítio um lugar mágico! A serenidade dos cheiros, dos gostos, o desenvolvimento da vida, a iluminação do Sol, a brincadeira do vento, o desabotoar do céu: a chuva... tudo era agradável à vista e parecia protegido por cativar o espírito com beleza.
- Eita vida boa!
- É pura beleza o verde...
- Feliz, feliz... feliz!
- Forte sabe!
Os animais todos saudavam a delícia de estar naquele paraís!
Num belo dia, como todos os outros, algo destoou aquele jardim. Um homem comum, desses que trabalham para o serviço público, veio e fincou na terra uma placa com os dizeres: «ESSE TERRENO DENTRO DE ALGUNS MESES VAI SE TRANSFORMAR NUM PARQUE DE ESTACIONAMENTO». Em seguida mais outros homens, juntamente com esse primeiro, invadiram o solo e cavando a terra profundamente retiraram dali a estátua.
Imediatamente aquele espaço inteiro alterou-se e reivindicou o acto.
- Eita vida boa!
- É pura beleza o verde...
- Feliz, feliz... feliz!
- Forte sabe!
Os animais todos saudavam a delícia de estar naquele paraís!
Num belo dia, como todos os outros, algo destoou aquele jardim. Um homem comum, desses que trabalham para o serviço público, veio e fincou na terra uma placa com os dizeres: «ESSE TERRENO DENTRO DE ALGUNS MESES VAI SE TRANSFORMAR NUM PARQUE DE ESTACIONAMENTO». Em seguida mais outros homens, juntamente com esse primeiro, invadiram o solo e cavando a terra profundamente retiraram dali a estátua.
Imediatamente aquele espaço inteiro alterou-se e reivindicou o acto.
Os beija-flores emitiam sons histéricos, o barulho dos insectos era ensurdecedor, outros pássaros tagarelas sobrevoavam em disparada o espaço baldio, o vento furioso soprava as copas das árvores desordenadamente e a chuva refinada juntamente com as folhas preenchiam e desenhavam linhas curvas e enroscando espirais informavam um estado caótico.
Para um grandioso museu da cidade a estátua foi levada e, juntamente com outras peças coloridas de produção intelectual, ocupava uma sala grande e sóbria cercada por vigas gregas, climatizada por ar-condicionado, com iluminação fria de lâmpadas fluorescentes e focos destinados para cada peça. Por ali durante o dia passavam pessoas de todos os tipos e todas sempre com aspecto de admiração às coleções, expressões perdidas como se no fundo elas nada compreendessem. E não se ouvia nenhum ruído se não os sapatos e vassouras, compassos seguidos de muitas pausas e na quase totalidade um desmedido silêncio.
Mas à noite toda aquela reunião de curiosidades atiçava e o museu despertava! Depois que os guardas trancafiavam todas as fechaduras e que o sistema de alarme era ligado, se ouvia um zunido ininterrupto, resultado dos lasers que cruzavam as salas e detectavam qualquer movimento, a segurança era prioridade. A arte que aquele lugar comportava era tratada como sagrada. Mal sabiam os homens que a arte tinha vida própria, era o próprio reflexo de todos que por ali transitavam e se comunicavam, arte-vida, por uma língua natural de sua espécie artística e de importância histórica.
- Pssiu! Você é nova por aqui?
Uma menina delicada, com um brinco de pérola que destacava sua imagem perguntou a estátua. (tela: "Moça com brinco de pérola" - Johannes Vermeer)
- Sim, sim, cheguei esta manhã. Morava eu num belo jardim e não sei por qual motivo me trouxeram para esse lugar...
Disse a estátua desesperada.
- Gustave? Gustave?
Era "Danae" mulher melosa e derretida que estava sempre a chamar pelo seu autor, Klimt.
- Cále-se Danae! Deixe a novata falar! Quero saber que raios descarregaram essa figura brraaanca e superpovoou esse salão abafado!
Uma das bruxas irritadas de Goya exclamava no fundo.
- O que será essa figura?! Parece uma pedra oca sem nenhum valor estético! Olhem para essa postura malta? Isso não é digno de dividir espaço comigo!
Outra bruxa encrenqueira.
- Deve ter vindo daqueles países de história morta.
A terceira bruxa.
- Eu... eu... sempre vivi ao lado da minha amiga natureza, não sei do que vocês falam. Quero eu é voltar para terra de onde sai, composta de folhas onde piso e pássaros que vejo!
Quando a estátua disse que pisava em folhas as obras em conjunto fizeram um sonido de surpresa. O globo celeste do século XVIII por exemplo rodava em seu eixo e emitia uns ruidos semelhantes aos mecanismos circulares e em alguns momentos estalava como um morse. Tac! Os girassóis expeliam algo como pólen de tinta e cada vez que eles esforçavam para falar, perdiam um pouco de cor, um deles já era mudo. Ninguém entendia o verbo "pisar", porque sempre suspensas por cabos, fixadas em paredes por pregos ou fechadas em vácuo em encubadoras do vidro... Nenhuma delas conhecia essa sensação, não sabiam o que era chão, terra.
No jardim a beleza pedia cuidado. Com o vazio que a estátua deixou, e com a quadrada placa enterrada, a vida animada que ali vivia, estava com medo, uma sensação também nova e que desbotava as luzes. O beija-flor só cantava pela alvorada e aurora, músicas bonitas e tristes e junto às penas do rabo esquentava os ovinhos pequeninos, ainda frágeis. As galinhas da Muni pareciam baratas tontas cocoricando para lá e para cá em motim e muitas das violetas já estavam lilases.
A notícia de que aquilo tudo viraria pátio para os carros pararem perturbava à todos os animais e plantas, os que se deslocavam para fora do jardim, como as abelhas por exemplo, não compreendiam a idéia maluca de movimentar ainda mais o sedentarismo dos homens. A terra, coitada, sabendo que seria ela própria enterrada, secava, e a pouca umidade que ainda restava, eram de suas lágrimas.
- Construir um parque de estacionamento conforta os carros e impede que os homens andem por si mesmos, com seus pés ou em bicicletas!
- E mais carros aumenta ainda mais a poluição do ar!
Diziam uns ursos que sobrevoavam o jardim num avião de pepel.
Cansado do desentendimento que pairava tudo, o Beija-Flor flautista resolve procurar a estátua. Afinal, depois do seu desfalque ninguém sabia como ela andava, se passava bem, se precisava de algo e, ainda, no fundo, ele tinha saudades e esperava que desse encontro alguma solução para o problema saisse.
Então o Beija-Flor, decidido, pede a amiga elefanta que cuide bem dos seus ovinhos - já que seu bumbum era bem grande podia aquecê-los bem – e voa, voa, voa... até chegar ao museu.
Chegando ao museu o Beija-Flor percorre todas os salões a procura da estátua, passa por tanta coisa diferente e bonita e sorri com tamanha beleza. Encostada no canto mudo de uma parede lá estava ela-estátua, e eis o encontro. O Beija-Flor pára a sua frente e a bater centenas de vezes suas asas, começa a cantar. Seu canto doce inunda a estátua de vida e aos poucos, preenchendo amor de baixo à topo, a estátua racha pedra! Devagarinho... devagarinho... toda a vida que a estátua tinha perdido brota novamente e de dentro de seu corpo-estrutura surge uma divina e graciosa rosa!
A rosa foi para o jardim, e com intensa luminosidade sua presença devolveu àquele sítio força e a verdadeira vitória: ser NATUREZA.
FIM
Mónica Landim ' auto retrato
Artur Campos ' auto retrato
+ + +
O teatro de objectos "beija-flor móbile" deu à luz da barriga da Elástico* no dia 26 de setembro, no Centro de Pesquisa e Práticas Ambientais, Sociais e Espirituais - Ecoporto, no Porto * Portugal. A peça conta a verdadeira história do espaço, um imenso jardim que pode ser destruido para se transformar num parque de estacionamento. Em defesa da natureza nos centros urbanos, o beija-flor voa :)
Comentários
Amigo, não vejo a hora de vê-lo e voar na sua asa, estar na sua casa com você.